A natureza aos olhos de Luiz Claudio Marigo

Homenagem ao mais premiado fotógrafo de natureza do Brasil, falecido em 2014
Raíra Saloméa - redacao@revistaecologico.com.br
Ensaio Fotográfico
Edição 145 - Publicado em: 01/09/2023

Floresta de xaxins, samambaias gigantes ameaçadas de extinção, no Parque Nacional de Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Floresta de xaxins, samambaias gigantes ameaçadas de extinção, no Parque Nacional de Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

Pioneiro na fotografia de natureza, o carioca Luiz Claudio Marigo (1950-2014) decidiu se dedicar exclusivamente a esse nicho logo no início da carreira. Aos 30 e poucos anos, depois de passar 15 dias no Pantanal fotografando suas paisagens e animais para um livro, ele voltou decidido: “O trabalho como fotógrafo de natureza era uma missão pela conservação. Quando me perguntam por que escolhi este trabalho, a resposta vem com muita clareza: caminhar nas florestas e nos campos é, para mim, uma necessidade vital. Eu preciso fazer isso.”

“Só salvaremos nossa biodiversidade quando pudermos compreendê-la melhor.”

Onças-pintadas fotografadas em situação controlada, em Carajás, Pará. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Onças-pintadas fotografadas em situação controlada, em Carajás, Pará. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

“A qualidade e a beleza das fotografias são essenciais para atrair o olhar das pessoas e conquistar seus corações, aumentando assim o número daqueles que defendem a natureza.”

“A maioria dos brasileiros não sabia o que era um ecossistema ou um bioma há 40 anos. Toda fotografia de natureza que a gente via naquela época era de montanhas nevadas e savanas africanas.”, conta Cecília Marigo, esposa e editora do fotógrafo. Foi quando ele propôs à Souza Cruz o primeiro calendário sobre os ecossistemas brasileiros. E no ano seguinte, sobre os animais do Brasil. Depois sobre os povos brasileiros: bordadeiras, jangadeiros, boiadeiros. “Em cada rincão desse país havia um pôster com foto do Luiz Claudio mostrando a diversidade natural brasileira. O intuito dele era fazer com que os brasileiros conhecessem o que era nosso, o tropical.”, explica Cecília.

Crianças ribeirinhas brincando, em Barreirinhas, Amazonas.
Crianças ribeirinhas brincando, em Barreirinhas, Amazonas. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

“Quando um sentimento de cuidado e respeito pela natureza conquistar a sociedade brasileira - e isto só se dará pela educação - aí poderemos ter certeza de que nossa flora e fauna serão preservadas para as gerações futuras.”

Dedicado a registrar a vida selvagem, Marigo foi o primeiro brasileiro a ser premiado no BBC Wildlife Photographer of the Year, o maior prêmio de fotografia de natureza do planeta. Nessa mesma premiação, recebeu menções honrosas outras quatro vezes. Ganhou muitos outros prêmios internacionais e teve seu trabalho publicado em algumas das mais importantes revistas do mundo, em mais de 15 países, como a Natural History, BBC Wildlife, International Wildlife e a National Geographic.

Casal de araras-azuis-grandes (Anodorhynchus hyacinthinus) num ipê-rosa no Pantanal de Mato Grosso. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Casal de araras-azuis-grandes (Anodorhynchus hyacinthinus) num ipê-rosa no Pantanal de Mato Grosso. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

CONTRA A EXTINÇÃO

Marigo tinha um gosto especial por fotografar espécies ameaçadas de extinção. Por isso, publicou 23 vezes na prestigiada série “Wildlife as Canon Sees It” (em português: Como a Canon vê a vida selvagem), na renomada revista internacional National Geographic Magazine (EUA). Sobre a preferência pelos animais selvagens mais difícies, ele declarou: “Gosto da dificuldade e do desafio e também porque sinto-me como membro da raça humana, responsável pela sobrevivência dele e de nós.”

Lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

O fotógrafo também era ambientalista e deixou um importante legado para conservação no Brasil. Ele foi co-criador da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Brasil, a Mamirauá, no Amazonas, em 1985. Unindo a fotografia com o dossiê do amigo e biólogo José Márcio Ayres, famoso cientista brasileiro, a proposta de criação da unidade se tornou modelo internacional, por permitir a manutenção das comunidades locais nas áreas conservadas.

Montagem de duas fotografias: queimada e  tamanduá vivo, no Parque Nacional das Emas, em Goiás. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Montagem de duas fotografias: queimada e tamanduá vivo, no Parque Nacional das Emas, em Goiás. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

DE PAI PARA FILHO

Marigo fotografou o Mamirauá durante 30 anos, e publicou em todas as grandes revistas do mundo. O que ajudou o Instituto a ser reconhecido mundialmente. “Meu pai sempre foi muito exigente com o próprio trabalho. Ele queria elevar a fotografia brasileira para o nível dos grandes prêmios internacionais. Quando ele ganhou o concurso da BBC pela primeira vez, o Brasil ainda não conhecia esse prêmio.”, conta orgulhoso o filho, Vitor Marigo.

A proteção do uacari-branco, macaco endêmico e ameaçado de extinção, foi o motivo que levou Márcio Ayres e Luiz Claudio Marigo a proporem a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
A proteção do uacari-branco, macaco endêmico e ameaçado de extinção, foi o motivo que levou Márcio Ayres e Luiz Claudio Marigo a proporem a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na Amazônia. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

Seguindo os passos do pai, os filhos também se dedicam a retratar a natureza. Vitor é fotógrafo e faz registros da natureza e de esportes radicais. O irmão, Gustavo, faz pintura de natureza. “Eu dirigi pelo Brasil inteiro com Luiz Cláudio. A gente viajou com os meninos pra muitos países da América Latina e África.”, conta a mãe, Cecília.

Luiz Claudio e o filho Vitor Marigo em viagem ao Mamirauá em 2007.
Luiz Claudio e o filho Vitor Marigo em viagem ao Mamirauá em 2007.

Apesar da coleção de prêmios, o trabalho do qual Marigo sentia mais orgulho, segundo Cecília e Vitor, era a série de fotografias do Chocolate Surpresa da Nestlé. Durante vários anos, as fotos de animais brasileiros estamparam os álbuns de figurinhas e cartões nas embalagens dos chocolates de norte a sul do Brasil, alcançando milhares de crianças e adultos de todas as idades.

Jacaretinga (Caiman crocodilus) com borboleta (Dryas julia) no Pantanal de Mato Grosso do Sul. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)
Jacaretinga (Caiman crocodilus) com borboleta (Dryas julia) no Pantanal de Mato Grosso do Sul. (Crédito: Luiz Claudio Marigo)

Além das fotos, Luiz Claudio escrevia as informações sobre os animais e os biomas que acompanhavam as figuras. “O alcance foi gigantesco. A quantidade de gente que vinha contar sobre como passou a conhecer a natureza brasileira através dos álbuns de figurinhas dos chocolates Surpresa, que se tornou biólogo por causa da coleção de fotos dos animais. Não podia ter maior felicidade para o Luiz Claudio perceber o quanto o trabalho dele tava influenciando a vida das pessoas.”, conta Cecília.

As fotos de Luiz Marigo estamparam durante anos os álbuns de figurinhas, embalagens e pôsteres dos chocolates Surpresa.
As fotos de Luiz Marigo estamparam durante anos os álbuns de figurinhas, embalagens e pôsteres dos chocolates Surpresa.

Falecido em 2014, o fotógrafo e ambientalista, deixou um legado para a natureza brasileira tão ou até mais importante que o reconhecimento internacional de seu trabalho. A preocupação em trazer a biodiversidade do país para mais perto dos brasileiros e o amor e respeito pelos animais tornaram o trabalho de Marigo um dos mais importantes registros da vida selvagem no Brasil.


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