“Ainda não temos uma política de governo contra os incêndios”

Entrevista com Maria Dalce Ricas, fundadora da Associação Mineira de Defesa do Ambiente
Raíra Saloméa - redacao@revistaecologico.com.br
Páginas Verdes
Edição 145 - Publicado em: 31/08/2023

Superintendente da AMDA, Maria Dalce defende a obrigatoriedade de grandes empreendimentos criarem brigadas de incêndios.

Com mais de 350 brigadistas, a Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda) atua no combate e prevenção de incêndios há mais de 40 anos. Em entrevista exclusiva para a Revista Ecológico, a fundadora e superintendente-executiva da mais aguerrida ONG ambiental do Estado, Maria Dalce Ricas, falou sobre a ausência de uma política eficaz de governo no combate aos incêndios florestais e sobre os desafios das brigadas voluntárias para conseguir apoio e estrutura.

Pioneira no combate às chamas em Minas, a Amda forma brigadistas e executa ações de fiscalização, prevenção, educação ambiental e recuperação de ambientes naturais. “Quando os incêndios eram considerados quase normais, há 30, 40 anos atrás, a gente já combatia de maneira voluntária, principalmente no vetor sul de Belo Horizonte. A gente também cobrava do poder público que tomasse medidas para prevenção e combate. Felizmente, hoje os incêndios já são considerados socialmente intoleráveis. Mas, mesmo assim, continuam acontecendo.”, conta a ambientalista, que também é brigadista.

Cerca de 350 brigadistas atuam nas unidades de conservação da Bacia do Rio Doce e São Francisco e em áreas naturais do Quadrilátero Ferrífero. (Crédito: AMDA)
Cerca de 350 brigadistas atuam nas unidades de conservação da Bacia do Rio Doce e São Francisco e em áreas naturais do Quadrilátero Ferrífero. (Crédito: AMDA)

Fundada em 1978, em plena abertura política do regime militar, a associação sem fins lucrativos tem parceria com o Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio/IEF) e com empresas privadas que, por força de condicionantes de licenciamento ambiental, precisam formar e manter brigadas. Em mais de quatro décadas, Dalce acompanhou as mudanças no combate aos incêndios, tanto nos setores políticos, como em relação às alterações climáticas.

AÇÃO INSUFICIENTE

“A estrutura do combate a incêndios em Minas cresceu muito. A criação do Previncêndio foi muito importante, apesar de ter sido rebaixado hoje a uma mera gerência do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Multiplicaram-se as brigadas voluntárias e as brigadas profissionais, aumentando a capacidade de combater os incêndios. Mas, o problema de fundo é que as alterações climáticas e os incêndios também aumentaram. E os custos para combatê-los e recuperar áreas degradadas e nascentes estão cada vez maiores”.

Há um grande aumento da demanda de atendimento por problemas respiratórios nas unidades de saúde por causa da fuligem e da fumaça nos períodos de incêndios.
Há um grande aumento da demanda de atendimento por problemas respiratórios nas unidades de saúde por causa da fuligem e da fumaça nos períodos de incêndios.

Para Dalce, a ação do poder público ainda é insuficiente. “O que é feito é elogiável, sem dúvida nenhuma, mas é insuficiente. Temos uma participação frágil da Copasa, uma atuação fraca ou quase inexistente do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e da EMATER, que convivem direto com o produtor rural. O envolvimento das prefeituras com as brigadas voluntárias é muito recente.”

A ambientalista alerta sobre a urgência da criação de uma política de governo para o combate e prevenção de incêndios. “Não temos isso ainda. Nem uma política de proteção ao meio ambiente. Se tivéssemos, combater e prevenir incêndios seria a meta principal. E isso passaria a permear toda a administração pública”.

Em sua opinião, a falta desse apoio institucional reflete, entre outros fatores, na ausência de estatísticas sobre o impacto dos incêndios na saúde pública. Já sabemos que há um grande aumento da demanda de atendimento por problemas respiratórios nas unidades de saúde por causa da fuligem e da fumaça nos períodos de incêndios. Mas não há uma estatística oficial para demonstrar a gravidade e o impacto do fogo na saúde. Quanto mais incêndios, mais gastos o poder público tem em diversos setores.

Há ainda os fatores culturais nessa equação. Os incêndios ainda são ocasionados, em quase totalidade, intencionalmente ou por omissão. Por isso, uma política integrada entre todas as instituições do governo e da sociedade é o caminho possível para enfrentar o aumento dos incêndios.

Filhote de lobo-guará resgatado com as patas machucadas durante a tentativa de fugir do fogo no Parque Estadual Mata do Limoeiro. (Crédito: AMDA)
Filhote de lobo-guará resgatado com as patas machucadas durante a tentativa de fugir do fogo no Parque Estadual Mata do Limoeiro. (Crédito: AMDA)

APOIO ÀS BRIGADAS

Combater incêndios é uma tarefa perigosa. Exige treinamento, equipamentos próprios, caros e que exigem muita manutenção. E a contrapartida do estado ainda é frágil, aponta. “É uma pessoa com boa vontade, que está ali se arriscando, mas ela precisa de ajuda, de equipamentos. As verbas para o Previncendio não aumentam há anos.”, alerta Dalce.

A exigência da criação de brigadas para licenciamento ambiental ainda é muito restrita. Para a Associação Mineira de Defesa do Ambiente, é preciso que todos os empreendimentos de grande porte, independente da área em que atuam, seja mineração, agricultura ou indústria, tenham como condicionante para licenciamento ambiental criar brigadas de incêndios treinadas que possam combater incêndios em toda a região onde atuam. “Se a empresa está no município, deve ser um colaborador. Hoje nós podemos contar nos dedos as empresas que são obrigadas a criar brigadas por força de condicionante. Uma coisa difícil de entender, porque nós temos megaempreendimentos na agropecuária, por exemplo, que não tem a mínima exigência”.

Bombeiro militar socorre coelho silvestre atingido por queimada no Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto. (Crédito: AMDA)
Bombeiro militar socorre coelho silvestre atingido por queimada no Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto. (Crédito: AMDA)


EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O combate e prevenção de incêndios tem se tornado um importante fator de educação ambiental. “Antigamente os incêndios eram considerados normais: as pessoas passavam, viam uma queimada e pensavam que aquilo era natural, não agiam, não acionavam ninguém. Hoje a gente recebe denúncias de começo de fogo, as pessoas colaboram. Param para ver o trabalho dos brigadistas, perguntam e se envolvem”.

Os próprios brigadistas, que comumente vivem nas comunidades próximas a áreas florestais, relatam a mudança na compreensão do impacto das ações do homem na natureza: “Eles vão se apaixonando pela causa, passa a virar uma missão. É bonito ver o envolvimento deles com os animais. A gente tá formando não só brigadistas, mas ambientalistas, que estão realmente preocupados com a proteção da natureza.”- conclui a ambientalista.


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