Ainda deitado na cama, aos poucos fui tomando sentido da alvorada que roseava as nuvens mostradas pelas janelas escancaradas à minha frente. Os barulhos do dia na fazenda lentamente se faziam cada vez mais intensos, com uma infinidade de cantos passarinheiros, principalmente dos filhotes do canário-da-terra, que de uns tempos pra cá, tão voltando às paisagens dos gerais. O batido dos cascos nas pedras e o mugido da bezerrada dentro do avizinhado curral me davam a sensação de tê-los todos dentro do quarto. Rebucei a cabeça tentando empurrar a hora de le-vantar, mas minha tentativa fracassou de vez quando Tião se achegou debaixo da janela e berrou:
- Vão’bora moço! Arriba dessa cama e vem pro mundo dos vivo!
Aquilo num podia ficar sem resposta e então só me restou sair em busca do delicioso café de Dona Luíza. Depois das tratativas matinais, a zoada dos cachorros deram sinal de gente chegando. Era nada não, só Agenor, vizinho que vinha em busca de socorro para Dona Fininha, sua companheira. Tião vinha mesmo entrando na cozinha e, depois dos cumprimentos, to-mou pé da queixa da confinante, “que desde antonte tá arruinada na cama, com tontice, o mundo rodan-do e um enjoamento sem base.”
Tião não pestanejou e soltou a receita:
-“Pois dê a ela lima-de-bico! Mas tem de sê da casca da fruta.”
De minha parte, nunca havia ouvido falar em tal planta. Arregalei os olhos e abri os ouvidos para não perder um nadica do que viria em seguida. O grupo saiu barulhando pelo quintal seguindo o Tião, na certeza de encontrar ali a solução de tão difícil trata-mento, que é a labirintite. Não tardou para toparmos com um antigo pé de lima-de-bico (Citrus limetta) na beira do rego d’água e daí ele destampou a falar sobre as aplicações de fruta.
-“Isso tamém é bão pra zuada dos ouvido e inté sinusite. Mas é tomá e o cabra já logo caça uma beira pra descan sar. Relaxa gostoso e o sono munta em riba. O rebento mermo num tem gosto bão não, é meio margoso.” Depois fui atrás de mais informações e fiquei sabendo que ela também é indicada para os casos de anemia e alivia o sangramento das
gengivas, além de conter muita vitamina “C”.
Frutos como este, que eram muito comuns em casas do interior e nas fazendas, estão sumindo dos quintais, cedendo espaço para sabores exóticos. Se você tem um pé de lima-de-bico, procure conservar. Se não tem, procure arrumar um.
Inté a próxima lua!