Essa foi a primeira vez que voltei ao Brasil desde que me mudei para Pequim há oito meses. Depois de morar na Inglaterra e Noruega, países ricos e desenvolvidos; agora vivendo em um país em desenvolvimento, mas com uma economia-foguete, em meio a uma sociedade de um lado pobre e do outro consumista e de novos-ricos, que pagam qualquer preço para se distinguir da multidão como realmente 'ricos'; quais seriam as minhas impressões sobre o Brasil? Como eu perceberia os brasileiros depois de conviver com a distância e a privacidade típica dos ingleses e noruegueses, e a sociabilidade dos chineses?
Depois de 31 horas de viagem, cheguei a São Paulo numa terça-feira de março, às 7h da manhã. Após passar pela alfândega, recolher minhas bagagens - quando tive a minha primeira surpresa agradável, com funcionários organizando as malas, ajudando as pessoas a retirá-las da esteira (isso nunca aconteceria em um país desenvolvido, onde esse tipo de serviço é inexistente. Você que se vire para tudo! Porém trabalho semelhante é encontrado na China, ou seja, em países onde há mão de obra em abundância), me dirigi ao quiosque da Guarucoop para pegar um táxi. Preço fixo, motoristas credenciados, fila longa, mas organizada e - para o meu espanto - não tinha ninguém tentando furá-la, comportamento absolutamente típico dos chineses que competem entre si em tudo e têm a necessidade vital de chegar primeiro em qualquer situação.
A caminho do hotel, seguindo pela marginal do Tietê, fiquei horrorizada de ver o leito do rio, em alguns trechos, totalmente coberto por espuma química. No meio da cidade?! Há anos não via uma cena como essa; coisa de país de quinto mundo (devo confessar que ainda não viajei muito pelo interior da China!). E pensar que essa é a mesma água que, quando chove, transborda, inunda carros e casas e deixa até pessoas submersas. Inaceitável.
Lembro-me que, há 10 anos, em uma visita a São Paulo, fiquei abismada com a nuvem de poluição com que os paulistanos conviviam, como um véu a envolvê-los. Como tudo nessa vida é relativo, depois de experimentar a quase diária poluição de Pequim, uma neblina leitosa de metais pesados e químicos, achei o ar de São Paulo de boa qualidade - guardada as devidas proporções, é claro (e considerando que cheguei no primeiro dia de estiagem depois de 1,5 mês de chuva ininterrupta). Enquanto em Pequim não posso fazer caminhadas ao ar livre, e sou obrigada a frequentar uma academia 'hermeticamente fechada' no subsolo, em São Paulo fiz meus exercícios ao ar livre, no fitness center do hotel que fica em uma varanda, ouvindo os passarinhos cantando, o vento balançando as copas das árvores, o céu azul - isso faz parte dos itens que caracterizam uma boa qualidade de vida, pensei!
Fiquei impressionadíssima com a educação dos motoristas, que dão passagem aos outros, que não fecham o cruzamento ou jogam seus carros em cima dos outros. É! Os asiáticos ainda têm muito o que aprender quando o assunto é trânsito.
E no metrô? Milhares de pessoas, como em qualquer outra cidade grande do mundo. Aliás, metrô cheio, tráfico e poluição são típicos de metrópoles. Não são uma particularidade do Brasil não, viu brasileiros (que adoram reclamar e falar mal do país e de seus compatriotas)? Porém, a melhor de todas foi ouvir a campanha de educação cívica promovida dentro dos trens e nas estações e observar a reação dos paulistas. 'Carreguem as mochilas nas mãos para não incomodar os outros passageiros'. 'Deixem os passageiros saírem do trem, para depois entrar nos vagões'. 'Os assentos azuis são preferenciais para pessoas idosas, gestantes, com problemas físicos ou com crianças de colo. Respeite'. E a maioria respeita sim! Observei que as pessoas ficavam até constrangidas de se sentar. Claro que tem o controle social também, através do olhar recriminador do outro. Não importa. "Puxa, as pessoas estão respeitando mesmo", disse um senhor de origem bem simples ao encontrar o assento azul vago, mesmo com muitas pessoas em pé ao redor.
E eu que pensava que a característica de conversar até com passarinhos era uma particularidade minha, constatei que, na verdade, esse é um traço de personalidade típico do brasileiro. Todo mundo dá bom dia, cumprimenta; no metrô, as pessoas dividem suas impressões do que está acontecendo ao redor; estão sempre dispostas a ajudar o outro e a dar informações. Tão diferente dos ingleses, noruegueses e chineses!
E em Belo Horizonte? Nossa, que motoristas morrinhas, os mineiros. Não dão passagem, fecham os outros; e na primeira oportunidade transgridem as leis do trânsito. Difícil, viu? Comportamento similar ao dos motoristas chineses. Totalmente o oposto dos noruegueses, país onde a educação e gentileza prevalecem, e a obrigação de deixar fluir o fluxo de carros é a meta principal de qualquer um ao volante.
Confesso, porém, que fiquei impressionadíssima com a beleza de Belo Horizonte, definitivamente uma 'Cidade Jardim'. Tão arborizada as ruas e praças! Verde por todo o lado. E aquele sentimento de estar envolvido e aconchegado pelas vizinhanças, de pertencer a um espaço urbano bem definido e delimitado por montanhas. O oposto de Pequim, onde sua extensão 'sem fim', a presença massiva do concreto, a agressividade das vias expressas que cortam a cidade, e a intimidação dos arranha-céus (apesar da beleza e ousadia arquitetônicas) nos impedem de estabelecer qualquer sentimento de enraizamento - ou pertencimento - com o ambiente ao redor.
Belo Horizonte é assim - árvores, muito verde, e céu azulíssimo! Jeitinho aconchegante e mineiro de ser!
Já a minha última parada, o Rio de Janeiro, continua a Cidade Maravilhosa de sempre. Perigosa, entretanto - como sempre também! Ao pedir informações a um policial sobre um endereço no Centro, às duas horas da tarde, já fui logo alertada por aquele que está ali para nos proteger: "Por favor, segure sua bolsa mais próxima de você. Dependure-a debaixo do braço. Tire o relógio. Aqui tem muito ladrão!". Resultado: os cidadãos ficam ansiosos, ariscos e desconfiados o tempo todo, sabendo que podem ser 'agredidos' a qualquer momento e por qualquer um, o que produz relações humanas tensas.
Situação oposta a Pequim e Oslo, capitais totalmente seguras, onde andar de metrô ou pelas ruas, mesmo de madrugada, não oferece qualquer risco. Como sempre, na cidade do Rio de Janeiro, me senti insegura e cansada de estar em estado de alerta o tempo todo.
Essas foram as minhas impressões sobre o Brasil. Um país que não pode ser considerado desenvolvido, mas sim uma sociedade 'emergente', onde particularidades - e problemas - dos países ricos e pobres convivem. Posso dizer que voltei para Pequim enamorada com o Brasil e os brasileiros. Porém, me pergunto: será que meus compatriotas têm a consciência de quão abençoados são por viver nesse país e por ter a personalidade que têm?
(*) Jornalista ambiental especializada em Mudanças Climáticas e editora do Portal Conexão Verde
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